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Art. 1 ─ Se a afinidade pode resultar do matrimônio com um parente.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a afinidade não pode resultar do casamento com um parente.

1. Pois, quem transmite a outrem uma qualidade a possui em grau eminente. Ora, a mulher casada não contrai parentesco com terceiro senão mediante o marido. Logo, como se torna afim do mando também não terá parentesco por afinidade com nenhum dos parentes dele.

2. Demais. ─ Quando dois seres são independentes um do outro, unir-se a um não implica necessariamente em unir-se ao outro. Ora, os parentes são independentes uns dos outros. Logo, o fato de uma mulher ter casado com um homem não implica necessariamente que venha a ser parenta por afinidade de todos os parentes dele.

3. Demais. - As relações entre pessoas nascem de sua união mútua. Ora, do fato de um homem ter-se casado não resulta nenhuma união entre os seus consangüíneos. Logo, não nasce entre eles nenhuma relação de afinidade.

Mas, em contrário. ─ Marido e mulher não constituem senão uma mesma carne. Se, pois, o marido fica unido a todos os seus parentes carnais, pela mesma razão também com eles ficará unida a mulher.

2. Demais. ─ As autoridades citadas pelo Mestre provam o mesmo.

SOLUÇÃO. ─ Toda amizade natural se funda numa comunicação natural. Ora, esta, segundo o Filósofo, pode proceder de dupla origem: da geração carnal ou da união contraída em vista da geração carnal. Por isso diz ele no mesmo lugar, que a amizade entre o homem e a mulher é natural. Por onde, assim como uma pessoa unida a outra em virtude da geração carnal é causa de um vínculo de amizade natural, assim também o será quando unida em vista dessa mesma geração. Há porém a diferença seguinte. A pessoa unida a outra, em virtude da geração carnal, como o filho do pai, participa da mesma origem e do sangue comum. Por isso, a consangüinidade é o vínculo do mesmo gênero que, ligando o pai, liga também o filho aos consangüíneos dele, embora em grau diferente, por causa da maior distância do tronco. A pessoa chegada, porém, pelos laços da carne não se prende ao mesmo tronco, senão por uma união extrínseca. Donde, um vínculo de gênero diverso chamado afinidade. E tal é o que diz o verso:
 
A casada muda de gênero, mas a gerada, de grau.

Porque uma pessoa gerada de outra contrai o mesmo parentesco, mas em outro grau; ao passo que a casada contrai um parentesco de gênero diverso.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora a causa seja superior ao efeito, daí não se conclui que ambos hão de ter o mesmo nome. Pois, o que está no efeito pode também estar na causa, mas não do mesmo modo, senão de modo mais elevado; e portanto, não convirá o mesmo nome à causa e ao efeito, nem pela mesma razão; tal o que se dá com todas as causas equívocas. Ora, neste sentido, a união do marido e da mulher é superior à da mulher com os parentes do marido. Por isso não deve chamar-se afinidade, mas, matrimônio, que é uma espécie de união, assim também o homem é idêntico a si mesmo, mas não é seu próprio parente.


RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os parentes são de certo modo independentes uns dos outros e unidos uns aos outros. E em virtude da união se dá, que uma pessoa unida a um fica de certa maneira unida com todos. Mas, por causa da independência e da distância, pode se dar que a ligada a um, de certo modo, esteja ligada a outro, de outro modo, quer por gênero diferente de união ou por um outro grau.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A relação pode originar-se do movimento dos dois extremos, como no caso da paternidade e da filiação. E essa relação está então realmente em cada um dos termos. Pode porém a relação nascer do movimento de um só dos extremos, e isto de dois modos. Primeiro, quando a relação se origina do movimento de um, sem o movimento de outro, quer precedente, quer concomitante. Tal a relação entre o Criador e a criatura, entre o sensível e o sentido, entre a ciência e o seu objeto. ─ De outro modo, quando a relação nasce do movimento de um extremo, sem o movimento simultâneo do outro, que porém já se moveu precedentemente. Assim, dois homens se tornam da mesma altura quando um cresce, sem que o outro cresça nem diminua; mas o primeiro chegou ao seu desenvolvimento atual por um determinado movimento ou mutação. Por isso tal relação se funda realmente em cada um dos extremos. Ora, o mesmo se dá com a consangüinidade e a afinidade. Pois, a relação de fraternidade, nascida entre um recém-nascido e um homem já de
idade provecta, é causada sem nenhuma mudança neste último, que já mudou anteriormente, isto é, desde quando nasceu; por isso a relação, de que é um dos termos, lhe resulta da mudança sofrida pelo outro termo. Semelhantemente, do fato de um homem descender, pela sua geração, do mesmo tronco de um homem casado, resulta a afinidade entre êle e a esposa desse homem, sem sofrer ela nenhuma mudança.

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