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Art. 3 — Se o que é mais universal tem prioridade em o nosso conhecimento intelectual.

(I Poster., lect. IV; I Metaphys., lect. I).
 
O terceiro discute-se assim. ― Parece que o que é mais universal não tem prioridade em o nosso conhecimento intelectual.
 
1. ― Pois, o que tem prioridade e é mais conhecido, por natureza, é posterior e menos conhecido por nós. Ora, os universais têm prioridade, por natureza, porque se chama primeiro aquilo de que não há reciprocação quanto à conseqüência pela qual dizemos que uma coisa existe. Logo, os universais são posteriores.
 
2. Demais. ― O composto é, para nós, anterior ao simples. Ora, os universais são o que há de mais simples. Logo, são conhecidos por nós posteriormente.
 
3. Demais. ― O Filósofo diz, que nós conhecemos o definido antes de conhecermos as partes da definição. Ora, o mais universal é parte da definição do menos universal; assim, animal é parte da definição do homem. Logo, os universais são, quanto a nós, conhecidos posteriormente.
 
4. Demais. ― Pelos efeitos, chegamos às causas e aos princípios. Ora, os universais são princípios. Logo, são conhecidos por nós posteriormente.
 
Mas, em contrário, pelo universal é que devemos chegar ao singular.
 
Solução. ― Duas coisas devem-se considerar no conhecimento do nosso intelecto. A primeira é que o conhecimento intelectivo tem o seu princípio, de certo modo, no sensitivo. E como o sentido conhece o singular e o intelecto, o universal, forçoso é que o conhecimento do singular seja, quanto a nós, anterior ao do universal. A segunda consideração é que o nosso intelecto procede da potência para o ato. Ora, tudo o que assim procede chega ao ato incompleto, meio termo entre a potência e o ato, antes de chegar ao ato perfeito. Ora, esse ato perfeito, ao qual chega o intelecto, é a ciência completa, pela qual as coisas são conhecidas distinta e determinadamente. O ato incompleto, porém, é a ciência imperfeita, pela qual as coisas são conhecidas indistintamente, com certa confusão; e o que é assim conhecido sob certo aspecto o é em ato e, de certo modo, em potência. Por onde, diz o Filósofo: o mais confuso é o que, primariamente, nos é manifesto e certo; depois, é que conhecemos os princípios e os elementos distintos.
 
Ora, é claro que conhecer uma coisa na qual várias outras se contêm, sem ter conhecimento próprio de cada uma das coisas naquela contidas, é conhecê-la com certa confusão. E assim, pode ser conhecido tanto o todo universal no qual se contêm as partes, potencialmente, como o todo integral; pois, ambos esses todos podem ser conhecidos com certa confusão, sem serem conhecidas, distintamente, as partes. Ao passo que conhecer distintamente o que se contém no todo universal, é ter conhecimento de coisa menos comum. Assim, conhecer um animal, indistintamente, é conhecê-lo como animal; conhecê-lo, porém, distintamente é conhecê-lo como animal racional ou irracional, o que é conhecer o homem ou leão. Ora, o nosso intelecto conhece o animal antes de conhecer o homem. E o mesmo se verá se se comparar o que quer que seja de mais universal com o menos universal.
 
Como, porém, o sentido, semelhantemente ao intelecto, passa da potência para o ato, a mesma ordem do conhecimento nele aparece. Pois, pelo sentido, discernimos o mais comum antes do menos comum, tanto local como temporalmente. Localmente, como quando alguma coisa, vista de longe, é apreendida como corpo antes de o ser como animal; antes como animal do que como homem; e antes como homem do que como Sócrates ou Platão. Temporalmente, pois que a criança, a princípio, distingue um homem do que não é homem e, depois, tal homem, de tal outro; donde vem que as crianças, a princípio denominam todos os homens, pais; depois, determinam cada pessoa, como diz Aristóteles. E a razão disto é manifesta. Pois, quem conhece uma coisa indistintamente ainda está em potência para conhecer o princípio da distinção; assim, quem conhece o gênero está em potência para conhecer a diferença. Por onde se vê que o conhecimento indistinto é médio entre a potência e o ato.
 
Logo, deve-se dizer que o conhecimento do singular é anterior, em relação a nós, ao do universal, bem como o conhecimento sensitivo é anterior ao intelectivo. Mas, tanto em relação ao sentido como ao intelecto, o conhecimento mais comum é anterior ao menos comum.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― De dois modos se pode considerar o universal. ― De um modo, considerando-se a natureza do universal simultaneamente com a intenção da universalidade. E como esta, que faz com que o que tem unidade e identidade se refira a muitas coisas, provém da abstração do intelecto, necessário é que, deste modo, o universal seja posterior. Por onde, diz-se que, o animal universal ou não é nada ou é o que é posterior. Mas, para Platão, admitindo os universais como subsistentes, o universal é anterior ao particular que, na sua opinião, não existe senão por participação dos universais subsistentes chamados idéias. ― De outro modo, o universal pode ser considerado quanto à própria natureza mesma, a saber, de animalidade ou humanidade, tal como existe nos seres particulares. E então, deve-se dizer que há uma dupla ordem da natureza. Uma, segundo a via da geração e do tempo e, então, o que é imperfeito e potencial tem prioridade. E, deste modo, o mais comum tem prioridade, quando à natureza; o que manifestamente aparece na geração do homem e do animal; pois, este é gerado antes daquele, como diz Aristóteles. Outra é a ordem da perfeição ou da tendência da natureza; assim, ato, em si mesmo e pela sua natureza, é anterior à potência, e o perfeito, ao imperfeito. E, deste modo, o menos comum é anterior, por natureza, ao mais comum, como, p. ex., o homem, ao animal; pois, a tendência da natureza não estaca na geração do animal, mas busca gerar o homem.
 
Resposta à segunda. ― O universal mais comum está para o menos comum como o todo para a parte. Como todo, nele está potencialmente contido, não só o menos universal, mas ainda outras coisas; assim, no animal está contido, não só o homem, mas também o cavalo. Como parte, a noção do menos comum contém, não só o mais comum, mas também outras coisas: assim no homem se contém, não só o animal, mas também o racional. Assim, pois, o animal, considerado em si, é anterior, em o nosso conhecimento, ao homem; mas o homem, é conhecido antes da noção de animal, como parte do mesmo homem.
 
Resposta à terceira. ― Uma parte pode ser conhecida de duplo modo. Absolutamente, como é em si mesma; e, então, nada impede conhecer as partes antes do todo, p. ex., as pedras antes da casa. De outro modo, como partes de um determinado todo, e então, necessário é conheçamos o todo antes da parte; pois, conhecemos a casa, por um conhecimento confuso, antes de lhe distinguirmos cada uma das partes. Por onde, deve-se dizer que as partes da definição, absolutamente consideradas, são conhecidas antes do definido, do contrário não se conheceria este por aquelas; mas, como partes da definição são conhecidas posteriormente. Assim, conhecemos o homem por um conhecimento confuso, antes que saibamos distinguir tudo o que é da essência do homem.
 
Resposta à quarta. ― O universal, entendido simultaneamente com a intenção da universalidade, é, de certo modo, princípio de conhecimento, enquanto essa intenção é conseqüente ao modo de inteligir, que se opera pela abstração. Não é necessário, porém, que tudo o que é princípio de conhecimento seja princípio de existência, como pensava Platão; pois, por vezes, conhecemos a causa pelo efeito e a substância pelo acidente, como se vê em Aristóteles. ― Se porém considerarmos a natureza mesma do gênero e da espécie, como existe nos seres particulares, então exerce a função de princípio formal em relação a eles; pois, ao passo que o singular existe pela matéria, a noção da espécie é deduzida da forma. Ora, a natureza do gênero se compara com a da espécie, sobretudo como princípio material; porque a natureza do gênero se deduz do que é material na coisa, ao passo que a da espécie, do que é formal; assim, a noção de animal se tira do sensitivo; a do homem, do intelectivo. E daí vem que a última tendência da natureza é para a espécie, não, porém, para o indivíduo nem para o gênero; porque a forma é o fim da geração; ao passo que a matéria existe pela forma. Não é necessário, porém, que o conhecimento de qualquer causa ou princípio seja posterior, quanto a nós; pois; às vezes conhecemos, pelas causas sensíveis, efeitos ignotos, e às vezes, inversamente.

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