O quarto discute-se assim. — Parece que o pão não pode converter-se no corpo de Cristo.
1. — Pois, a conversão é uma mudança. Ora. toda mudança supõe um sujeito anteriormente em potência e depois um ato; porque, como diz Aristóteles, o movimento é o ato do ser existente em potência. Ora, não é possível haver nenhum sujeito da substância do pão e do corpo de Cristo, porque é da essência da substância não existir num sujeito, como o diz Aristóteles. Logo, não é possível a substância do pão converter-se totalmente no corpo de Cristo.
2. Demais. — A forma de um ser, no qual outro se converteu, começa a existir no primeiro. Assim, quando o ar se converte no fogo ainda não existente, a forma do fogo começa a existir na matéria do ar; e semelhantemente, quando o alimento se converte num homem, antes não existente, a forma deste começa a existir na matéria do alimento. Se, portanto, o pão se converte no corpo de Cristo, necessàriamente a forma do corpo de Cristo começa a existir na matéria do pão - o que é falso. Logo, o pão não se converte na substância do corpo de Cristo.
3. Demais. — De seres essencialmente diversos, nunca um se converte em outro; assim, a brancura nunca vem a ser negrura, mas o sujeito da brancura é que se transforma no da negrura, como diz Aristóteles. Ora, sendo duas formas contrárias essencialmente diversas, por serem os principias da diferença formal, também duas matérias signadas são essencialmente diversas, por serem os princípios da distinção material. Logo, não é possível a matéria do pão vir a ser a matéria pela qual se individua o corpo de Cristo. E assim, não é possível a substância de tal pão converter-se na substância do corpo de Cristo.
Mas, em contrário, Eusébio Emisseno diz: Não ter como uma impossível novidade a conversão do que é terreno e mortal na substância do corpo de Cristo.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, está verdadeiramente neste sacramento o corpo de Cristo, nem começa a existir nele pelo movimento local; porque ai não está como num lugar, conforme do sobredito se mostra. Donde devemos necessàriamente concluir, que começa a nele existir por ser o resultado da conversão da substância do pão. Mas esta conversão não é semelhante às conversões naturais, porque é absolutamente sobrenatural, produzida pelo só poder de Deus. Por isso diz Ambrósio: É claro que a Virgem gerou fora da ordem da natureza. E no sacramento que celebramos está o corpo nascido da Virgem. Por que buscas, pois, a ordem da natureza no corpo de Cristo, pois que fora das leis da natureza nasceu da Virgem N. S. Jesus Cristo? E àquilo do Evangelho: As palavras que eu vos disse, isto é, sobre este sacramento, são espírito e vida, diz Crisóstomo: Isto é, são espirituais, por nada terem de carnal nem consequência natural; mas estarem acima de toda necessidade terrestre e das leis deste mundo.
Pois, é manifesto, que todo agente age enquanto atual. Ora, todo agente criado é determinado no seu ato, por ser de gênero e espécie determinados. Por onde, a ação de todo agente criado recai sobre um ato determinado. Ora a existência atual e determinada, de um ser, se realiza mediante a sua forma. Por onde, nenhum agente natural ou criado pode agir senão mudar uma forma. E por isso toda conversão, feita segundo as leis da natureza, é formal. Ora, Deus é o ato infinito, como estabelecemos na Primeira Parte. Logo, a sua ação se estende à natureza total do ser. Por onde, não só pode realizar a conversão formal, de modo que formas diversas se sucedam, no mesmo sujeito; mas a conversão total do ser, de modo que toda a substância de um se converta totalmente na substância de outro.
E é o que faz o poder divino neste sacramento. Pois, a substância do pão se converte todo na substância total do corpo de Cristo; e toda a substância do vinho, na substância total do sangue de Cristo. Por onde, tal conversão não é formal, mas substancial. Nem está contida entre as espécies de movimento natural, mas pode receber a denominação própria de transubstanciação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe quanto à mutação formal, por ser próprio à forma existir na matéria ou num sujeito. Mas não, quanto à conversão substancial, implicando uma certa ordem das substâncias, das quais uma se converte em outra, se realiza, como no sujeito, em cada substância, como a ordem e o número.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção colhe quanto à conversão ou mutação formal; porque, como dissemos, a forma existe necessàriamente na matéria ou num sujeito. Mas não, quanto à conversão total da substância, a que não pode mos atribuir nenhum sujeito.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O poder de um agente finito não pode mudar uma forma em outra, nem uma em outra matéria. Mas a virtude de um agente infinito, cuja ação se estende à totalidade do ser, pode operar essa conversão; porque uma e outra forma e uma e outra matéria têm a natureza comum de ser; e a entidade de uma pode o Autor do ser converter na entidade de outra, desaparecendo a diferença que a distinguia desta.