O segundo discute-se assim. — Parece que neste sacramento permanece a substância do pão e do vinho depois da consagração.
1. — Pois, Damasceno diz: Por ter o homem o costume de comer o pão e beber o vinho, Deus lhes uniu a divindade, fazendo deles o seu corpo e o seu sangue. E mais abaixo: O pão da comunhão não é um pão simples, mas o unido à divindade. Ora, união só há entre causas existentes em ato. Logo, o pão e o vinho estão simultaneamente neste sacramento com o corpo e o sangue de Cristo.
2. Demais. — Entre os sacramentos de Cristo deve haver conformidade. Ora, nos outros sacramentos permanece a substância da matéria; assim, no batismo a substância da água e na confirmação, a do crisma. Logo, neste sacramento permanece a substância do pão e do vinho.
3. Demais. — O pão e o vinho são usados neste sacramento para significar a unidade da Igreja, pois, um pão é feito de muitos grãos e um vinho de muitos racimos, como diz Agostinho. Ora, isto concerne à substância mesma do pão e do vinho. Logo a substância do pão e do vinho permanecem neste sacramento.
Mas, em contrário, diz Ambrósio: Embora vejamos a figura do pão e do vinho, devemos porém crer que, depois da consagração, não são mais que a carne e o sangue de Cristo.
SOLUÇÃO. — Certos disseram que depois da consagração permanece a substância do pão e do vinho neste sacramento. - Mas esta opinião não pode sustentar-se. Primeiro, porque destrói a verdade da Eucaristia, na qual está verdadeiramente o corpo de Cristo; que aí não está antes da consagração. Ora, um corpo não pode estar onde antes não estava, senão por mudança de lugar, ou pela transformação de outro corpo nesse. Assim, o fogo começa a existir numa casa ou porque foi para ela levado ou nela gerado. Mas é manifesto que o corpo de Cristo não começa a estar neste sacramento pelo movimento local. - Primeiro, porque daí resultaria que deixava de estar no céu. Pois, o que se move localmente não passa a ocupar novo lugar senão depois de sair donde primeiro estava. - segundo, porque todo corpo sujeito ao movimento local transpõe todas as posições intermédias. O que neste caso não se pode dizer. - Terceiro, por ser impossível um movimento do mesmo corpo, localmente movido, terminar simultaneamente em lugares diversos; ao passo que o corpo de Cristo, neste sacramento, começa a estar simultaneamente em vários lugares. - Donde se conclui que o corpo de Cristo não pode começar a existir neste sacramento senão pela transformação nele, da substância do pão. Ora, o que se converte em outro já não permanece depois da conversão. Donde resulta que, salva a verdade deste sacramento, a substância do pão não pode permanecer depois da consagração. Segundo, porque tal opinião contraria a forma deste sacramento, que reza: Isto é o meu corpo. O que não seria verdade se a substância do pão aí permanecesse; pois, nunca a substância do pão é o corpo de Cristo. Pois então, devia ter dito: Aqui está o meu corpo. Terceiro, porque contraria à veneração deste sacramento, se nele existisse alguma substância criada que não pudesse ser adorada com adoração de latria. Quarto, porque contraria ao rito da Igreja, segundo o qual não é lícito tomar nenhum alimento antes de receber o corpo de Cristo; e contudo depois de uma hóstia consagrada podemos receber outra. Por onde, devemos rejeitar esta opinião como herética.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Deus uniu a sua divindade, isto é, a virtude divina, ao pão e ao vinho, não por permanecerem neste sacramento, mas para se transformarem no seu corpo e no seu sangue.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nos outros sacramentos não está Cristo mesmo realmente, como neste. Por isso nos outros permanece a substância da matéria, mas não neste.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As espécies remanescentes neste sacramento, como mais abaixo diremos, bastam à significação dele; pois, pelos acidentes se conhece a natureza da substância.