O primeiro discute-se assim. — Parece que neste sacramento não está o corpo de Cristo verdadeiramente, mas só em forma e como em sinal.
1. — Pois, refere o Evangelho, que tendo o Senhor dito - Se não comerdes a carne do Filho do homem e beberdes o seu sangue, etc. - muitos dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: duro é este discurso, a que Cristo replicou: O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita. Como se dissesse, segundo a exposição de Agostinho: Entendei o que falei, em sentido espiritual. Não havereis de comer este corpo que vedes, nem haveis de beber o sangue que hão de derramar os que me vão crucificar. É de um sacramento que vos falei. Entendei em sentido espiritual a expressão - vos vivificará, a carne para nada aproveita.
2. Demais. — O Evangelho diz: Eu estou convosco todos os dias, até a consumação do século. Expondo o que, Agostinho diz: Até que o século termine Deus está no céu, contudo está conosco a verdade do Senhor. Pois, o corpo com que ressurgiu há de necessàriamente estar num lugar; mas a sua verdade difundiu-se por toda parte. Logo, o corpo de Cristo não está verdadeiramente neste sacramento, mas só como em sinal.
3. Demais. — Nenhum corpo pode estar simultaneamente em vários lugares, porque isso nem o anjo o pode; do contrário, poderia pela mesma razão estar em toda parte. Ora, o corpo de Cristo é verdadeiramente corpo e está no céu. Logo, parece que não está verdadeiramente no sacramento do Altar, senão só como em sinal.
4. Demais. — Os sacramentos da Igreja se ordenam à utilidade dos fiéis. Ora, segundo Gregório, numa Homília, o régulo foi repreendido porque buscava a presença corporal de Cristo; e os Apóstolos também ficaram impedidos de receber o Espírito Santo, porque estavam acostumados à presença corporal de Cristo, como o diz Agostinho, àquilo do Evangelho: Se eu não for, não virá a vós o Consolador. Logo, Cristo não está no Sacramento do Altar por uma presença corpórea.
Mas, em contrário, diz Hilário: Sobre a verdade concernente ao corpo e ao sangue de Cristo, não há lugar para dúvidas. Pois, conforme a afirmação mesma do Senhor e a nossa fé, a sua carne é verdadeiramente comida e o seu sangue verdadeiramente bebida. E Ambrósio: Assim como N. S. Jesus Cristo é verdadeiramente Filho de Deus, assim a carne que recebemos é verdadeiramente carne de Cristo, e bebida é verdadeiramente o seu sangue.
SOLUÇÃO. — Que o corpo e sangue de Cristo estão verdadeiramente no sacramento do Altar, não podemos apreendê-la nem pelos sentidos nem pelo intelecto; mas só pela fé, que se apóia na autoridade divina. Por isso, àquilo do Evangelho - este é o meu corpo, que se dá por vós, diz Cirilo: Não duvides da verdade disto, mas antes tem fé nas palavras do Salvador, que, sendo a verdade, não mente.
O que é conveniente é primeiro, a perfeição da Lei Nova. Pois, os sacrifícios da Lei Velha só representavam em figura o verdadeiro sacrifício da paixão de Cristo, segundo aquilo do Apóstolo: A lei, tendo a sombra dos bens futuros, não a imagem mesma das coisas. Por onde, era necessário, que o sacrifício da Lei Nova, instituído por Cristo, tivesse mais rico conteúdo, a saber, o próprio Cristo com a sua paixão, não só simbólica ou figuradamente, mas, também na realidade. E por isso este sacramento, que contém realmente o próprio Cristo, como diz Dionísio, é perfectivo de todos os outros sacramentos, nos quais é participada a virtude de Cristo. Em segundo lugar, convém à caridade de Cristo, levado da qual assumiu um corpo verdadeiramente da nossa natureza, para a nossa salvação. E porque é próprio por excelência à amizade, conviver com os amigos, como diz o Filósofo, por isso nos reprometeu como prêmio a sua presença corporal, segundo aquilo do Evangelho: Em qualquer lugar em que estiver o corpo ali se hão de ajuntar também as águias. Mas, entretanto não nos privou da sua presença corporal nesta peregrinação, mas nos uniu a si neste sacramento, pelo seu verdadeiro corpo e sangue. Por isso êle próprio disse: O que come a minha carne e bebe o meu sangue, esse fica em mim e eu nele. Por onde, este sacramento é o máximo sinal da caridade e o sublevamento da nossa esperança pela união tão familiar de Cristo conosco. Em terceiro lugar convém à perfeição da fé, que tem por objeto tanto a divindade de Cristo como a sua humanidade, segundo aquilo do Evangelho: Se credes em Deus crede também em mim. E como a fé tem por objeto o invisível, do mesmo modo que Cristo nos revela a sua divindade invisivelmente, assim também neste sacramento nos dá a conhecer a sua carne de um modo invisível. Por não terem atendido a isto, certos disseram que o corpo e o sangue de Cristo não esta neste sacramento senão como num sinal. Opinião que deve ser rejeitada como herética, por contrária às palavras de Cristo. Por isso Berengário, primeiro autor desse erro, foi depois coagido a abjurá-lo e a confessar a verdade da fé.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Fundados nessa autoridade, os referidos heréticos foram induzidos em erro, por entenderem mal as palavras de Agostinho. Pois, quando Agostinho diz - Não havereis de comer este corpo que vedes - não teve a intenção de negar que o corpo de Cristo o fosse verdadeiramente; mas que não ia ser comido sob a forma em que eles o viam. E pelo que acrescenta - O sacramento de que vos falei vos vivificará, entendendo-o em sentido espiritual, não quis dizer que o corpo de Cristo estivesse neste sacramento só na sua significação mística, mas espiritualmente, isto é, invisivelmente, e por virtude do espírito. Por isso, expondo aquilo do Evangelho - A carne para nada aproveita - diz: Mas do modo por que o entenderam. Pois, entenderam que a carne deve ser comida no sentido em que a cortamos do animal morto, ou como é vendida no açougue, e não no sentido em que nutre o nosso espírito. Que o espírito nela penetre e de muito aproveita; pois, se a carne de nada aproveitasse, o Verbo não se faria carne para habitar entre nós.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras citadas de Agostinho e expressões semelhantes devem entender-se do corpo de Cristo, enquanto visto na sua figura própria, no sentido em que também o Senhor mesmo disse: A mim nem sempre me tereis. Invisivelmente porém e sob as espécies deste sacramento, está em toda parte onde tal sacramento é celebrado.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O corpo de Cristo não está neste sacramento do mesmo modo por que um corpo está num lugar, comensurado pelas dimensões locais; mas de um modo especial próprio a este sacramento. Por isso dizemos que o corpo de Cristo está em diversos altares, não como em lugares diversos, mas como no sacramento. Pelo que não entendemos que Cristo ai esteja só como num sinal, embora o sacramento seja um gênero de sinais. Mas entendemos que ai está o corpo de Cristo, como dissemos, segundo o modo próprio a este sacramento.
RESPOSTA À QUARTA. - A objeção procede quanto à presença do corpo de Cristo, presente como corpo, isto é, na sua espécie visível; não porém na sua presença espiritual, isto é, de modo invisível e em virtude do espírito. Por isso diz Agostinho: Se entendeste espiritualmente as palavras de Cristo referentes à sua carne, terás em ti o espírito e a vida; se as entendeste carnalmente, também são espírito e vida, mas não para ti.