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Art. 3 — Se o Apóstolo enumera convenientemente os doze frutos.

(III Sent., dist. XXXIV, q. 1, a. 5; Ad Galat., cap. V. Lect VI).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que o Apóstolo enumera inconvenientemente, os doze frutos.
 
1. — Pois, noutro lugar, diz que só há um fruto da vida presente (Rm 6, 22): tendes o vosso fruto em santificação. E noutra parte se diz (Is 27, 9): todo este fruto se reduz a que seja tirado o seu pecado. Logo, não se devem enumerar doze frutos.
 
2. Demais. — O fruto nasce da semente espiritual, como já se disse1. Ora, o Senhor enumera um tríplice fruto da terra boa nascido da semente espiritual: centésimo, sexagésimo e trigésimo. Logo, não se devem enumerar doze frutos.
 
3. Demais. — O fruto, por essência, vem por último e é deleitável. Ora, isto não se verifica em todos os frutos enumerados pelo Apóstolo; assim a paciência e a longanimidade supõem o que causa pena; e por outro lado, a fé não vem por último, mas antes é, por essência, o fundamento primeiro. Logo, a enumeração dos frutos, em questão peca por excesso.
 
Mas, em contrário. — Parece que a enumeração é insuficiente e deficiente. Pois, como já se disse, todas as bemaventuranças podem se chamar frutos. Ora, a enumeração não as abrange a todas, pois nada compreende pertinente ao ato da sabedoria e de muitas outras virtudes. Logo, essa enumeração dos frutos é insuficiente.
 
SOLUÇÃO. — A enumeração dos doze frutos feita pelo Apóstolo é correta e podem eles ser expressos pelos doze frutos de que fala a Escritura (Ap 22, 2): duma e de outra parte do rio, estava a árvore da vida, que dá doze frutos. Como porém se chama fruto ao procedente de algum princípio, como de princípio ou de raiz, a distinção dos frutos em questão deve-se fundar nos diversos modos por que procedem em nós os frutos do Espírito Santo. Ora, essa processão implica, primeiro, que o coração humano se ordene, em si mesmo; segundo, que se ordene para o que lhe está ao lado; terceiro, para o que lhe é inferior.
 
Ora, o coração do homem fica, em si mesmo, bem disposto quando se comporta como deve tanto em relação ao mal como ao bem. Ora, a primeira disposição da mente humana para o bem se opera pelo amor, a primeira e a raiz de todos os afetos, como já dissemos2. E por isso, o primeiro enumerado dos frutos do Espírito Santo é a caridade, pela qual ele se dá em própria semelhança, sendo Amor; donde o dizer o Apóstolo (Rm 5, 5): a caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. Ora, do amor de caridade resulta necessariamente a alegria, pois todo amante se alegra estando unido ao amado. Ora, a caridade tem sempre presente a Deus, a quem ama, segundo aquilo da Escritura (1 Jo 4, 16): Aquele que permanece na caridade permanece em Deus e Deus, nele. Logo, a conseqüência da caridade é a alegria. Mas, a perfeição da alegria é a paz, de dois modos. Primeiro, quanto à tranqüila libertação das perturbações exteriores; pois não pode gozar perfeitamente do bem amado quem sofre perturbação exterior, no gozo do mesmo. E por isso o coração perfeitamente pacificado num gozo, por nada pode ser molestado, pois considera tudo o mais como quase não existente; por onde, diz a Escritura (Sl 118, 165): Gozam minha paz os que amam a tua lei, e não há para ele tropeço, i. é, por não serem perturbados pelas causas exteriores, a ponto de não gozarem de Deus. Segundo, quanto à satisfação do desejo volúvel, pois não gozamos suficientemente quando não nos satisfaz o objeto do nosso gozo. Ora, ambos esses casos implicam a paz, de modo que não sejamos perturbados pelas causas externas e descansemos os nossos desejos num só objeto. Por onde, em terceiro lugar é enumerada a paz, depois da caridade e da alegria. Por outro lado, o coração se comporta como deve em relação ao mal, de dois modos. Não se perturbando com os males eminentes, por meio da paciência. Segundo, não se perturbando com a dilação dos bens, por meio da longanimidade; pois o estar privado do bem implica o mal, como se disse3.
 
Em seguida, quanto ao que está ao nosso lado, i. é, quanto ao próximo, nosso coração se dispõe bem, pela bondade, no atinente à vontade de bem fazer. Segundo, pela benignidade, no que respeita à execução da beneficência; pois, chamam-se benignos aqueles que a bondade ígnea do amor faz arder no beneficiar ao próximo. Terceiro, quanto a tolerar com equanimidade os males que o atingem, por meio da mansidão, que coíbe a ira. Quarto, não só não fazendo mal ao próximo, pela ira, mas nem pela fraude ou pelo dolo. E isto o conseguimos pela , tomada em sentido de fidelidade; mas considerada como crença em Deus, ela nos ordena ao que nos é superior, fazendo-nos sujeitar o intelecto a Deus, e por conseqüência tudo o que possui.
 
Enfim, em relação ao que nos é inferior bem nos dispomos: primeiro, quanto aos atos externos, pela modéstia, observando o comedimento em tudo o que dizemos e fazemos. Quanto à concupiscência interna, pela continência e pela castidade, distinguindo-se uma da outra, porque esta nos priva do ilícito e aquela, do lícito; quer, porque o continente sofre a concupiscência sem ser por ela vencida, ao passo que o casto nem a sofre nem é por ela vencido.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A santificação se opera por todas as virtudes que também purificam os pecados. Por isso os lugares aduzidos nomeiam o fruto na sua unidade genérica; Mas ele se divide em muitas espécies, e isso faz considerarmos muitos frutos.
 
Resposta à segunda. — Os frutos centésimo, sexagésimo e trigésimo não se diversificam pelas diversas espécies de atos virtuosos, mas pelos diversos graus de perfeição, mesmo de uma virtude. Assim se diz que a continência conjugal está expressa no fruto trigésimo; a da viuvez, no sexagésimo; e a virginal, no centésimo. E ainda de outros modos, os Santos Doutores distinguem três frutos evangélicos relativos aos três graus das virtudes; sendo esses três graus relativos à perfeição de todas as coisas, que se funda no princípio, no meio e no fim.  
 
Reposta à terceira. O mesmo não se perturbar nas tristezas implica o prazer. E a fé, mesmo considerada como fundamento, é algo de último e deleitável, por incluir a certeza. Por isso a Glosa expõe: A fé, i. é, a certeza do invisível.
 
Resposta à quarta. — Como diz Agostinho, o Apóstolo, no lugar aduzido não quis, ensinar quais são as obras da carne ou os frutos do Espírito Santo, senão mostrar em que gênero aquelas devem ser evitadas e estes, buscados. Por onde mais ou menos frutos podiam ter sido enumerados. E contudo, todos os atos dos dons e das virtudes podem, com certa conveniência, ser reduzidos aos enumerados, enquanto todas as virtudes e dons hão de, necessariamente, ordenar o coração de algum dos modos preditos. Assim, os atos da sabedoria e de qualquer dos dons, que ordenam para o bem se reduzem à caridade, à alegria e à paz. Mas o Apóstolo preferiu esta enumeração à outra, por implicar o que ela abrange a fruição dos bens ou a quietação dos males, o que está incluído na essência do fruto.

  1. 1. Q. 70, a. 1.
  2. 2. Q. 27, a. 4.
  3. 3. V Ethic. (lect. V).
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