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Art. 6 — Se esta doutrina é sabedoria.

(I Sent., prol., a. 3, qI, 3; II Cont. Gent., cap. IV)
 
O sexto discute-se assim — Parece que esta doutrina não é sabedoria.
 
1. Pois nenhuma doutrina que receba de outra os seus princípios, merece o nome de sabedoria, cabendo ao sábio ordenar e não ser ordenado, como diz Aristóteles1. Ora, esta doutrina recebe de outra os seus princípios, como do sobredito aparece (a. 2). Logo, não é sabedoria.
 
2. Demais — À sabedoria compete provar os princípios das outras ciências, por onde é chamada cabeça das demais, como se vê no Filósofo2. Ora, não justifica esta doutrina os princípios das outras ciências, nem é, portanto, sabedoria.
 
3. Demais — Adquire-se esta doutrina pelo estudo, mas recebemos a sabedoria por infusão, e, por isso, se conta entre os sete dons do Espírito Santo, como se vê na Escritura (Is 2,2). Logo, esta doutrina não é sabedoria.
 
Mas, em contrário, a Escritura (Dt 4, 6): Porque nisto mostrarei a vossa sabedoria e inteligência aos povos.
 
SOLUÇÃO. — De toda a sabedoria humana, é esta doutrina a mais alta, não relativa, mas absolutamente. Pois sendo próprio do sábio ordenar e julgar, e, pela causa mais alta, considerar as inferiores, sábio se chama, em qualquer gênero, quem lhe atende à altíssima causa. Assim, no tocante à construção, o artífice que traça a planta da casa é chamado sábio e arquiteto, em relação aos operários inferiores, que aplainam a madeira e preparam as pedras; donde o dito da Escritura (1 Cor 3,10): Lancei o fundamento como sábio arquiteto. Também, no que respeita à vida humana em conjunto, é o prudente chamado sábio, enquanto ordena os atos humanos ao fim obrigatório; donde outro dito da Escritura (Pr 10, 23): A sabedoria é, para o homem, prudência. Quem, portanto, considera a causa absoluta mais alta do universo, que é Deus, deve ser chamado sábio por excelência. Pelo que também se define a sabedoria conhecimento das coisas divinas, como se vê em Agostinho3. Ora, o próprio da sagrada doutrina é considerar a Deus, causa altíssima, não só enquanto cognoscível por meio das criaturas — o que souberam os filósofos, como diz a Escritura (Rm 1, 19): O que se pode conhecer de Deus lhes é manifesto — senão também naquilo que só ele de si mesmo conhece e foi aos outros revelado e comunicado. Por isso, tal doutrina em sumo grau merece o nome de sabedoria.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Não recebe a sagrada doutrina os seus princípios de nenhum saber humano, senão da ciência divina, a qual regula todo o nosso conhecimento, a título de suprema sabedoria.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os princípios das demais ciências ou são por si evidentes, e não podem ser provados; ou se demonstram noutra ciência por algum motivo natural. Porém, o conhecimento próprio desta ciência assenta na revelação, e não em premissas naturais. Donde, não lhe cabe provar os princípios das outras ciências, mas só julgá-las; porque tudo o que nelas repugnar à verdade desta, condena-se, de vez, como falso, segundo o Apóstolo (2 Cor 10, 4-5): Derribando os conselhos e toda a altura que se levanta contra a ciência de Deus.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Por ser o juízo próprio do sábio, e por haver dois modos de julgar, deve a sabedoria ter dois sentidos. O primeiro modo de julgar é por inclinação: por exemplo, quem tiver bons costumes, por atração da virtude, pode com acerto julgar dos atos que se devem praticar moralmente. Por isto está em Aristóteles: o virtuoso é medida e regra dos atos humanos4. — O segundo modo é pelo conhecimento: como o instruído na ciência moral poderia julgar dos atos de virtude, mesmo se a não tivesse. Ora, o primeiro modo de julgar as coisas divinas pertence à sabedoria enquanto dom do Espírito Santo, segundo a Escritura (1 Cor 2,15): O espiritual julga todas as coisas; e Dionísio: Hieroteu é douto, não só por aprender mas, antes, por sentir as coisas divinas5. O segundo modo de julgar é próprio desta doutrina, enquanto se adquire por estudo, embora sejam os princípios recebidos pela revelação.
 
 

 

  1. 1. I Metaphys., c. 2
  2. 2. VI Ethic., c. 7
  3. 3. XII de Trinitate
  4. 4. X Ethic, c. 5
  5. 5. 2 cap. De Divinis Nominibus
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