Thesauri
Todos que possuem rudimentos de iniciação da Sagrada doutrina sabem que foi na Quinta-feira Santa, véspera de sua morte na cruz, que o Cristo Nosso Senhor instituiu o sacramento da Eucaristia (Mt. XXVI, 20-25); (Mc. XIV, 17-21); (Luc. XXII, 14-20); (Jo. XIII, 18-30) e (1 Cor. XI, 23-26).
“Nós, porém, nos gloriamos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa salvação, nossa vida e nossa ressurreição...” (Gal. VI, 14). Estas palavras do Apóstolo Paulo, que estão no Intróito da Missa de hoje, dão-nos o diapasão, o lá fundamental para afinação de todos os muitos movimentos de nossa alma.
No torvelinho das horas e dos dias convém considerarmos, vez por outra, os marcos imóveis, os sinais da eternidade.
À primeira vista parece que não precisa da especial comemoração da Quinta-feira Santa quem todos os dias se acerca da Mesa do Senhor com a familiaridade da doce monotonia. Precisa tanto e talvez mais do que os menos assíduos. A vida religiosa é principalmente trabalho de Deus em nós, mas também é, logo depois, trabalho nosso, colaboração de obediência que consiste, principalmente, em nos desnaturalizarmos deste velho mundo cuja figura vai passando, para nos sobrenaturalizarmos no mundo novo, na única verdadeira e eterna novidade que Jesus nos trouxe. Daí a necessidade de uma contínua e monótona perseverança combinada com a singularidade dos atos extraordinários; ou daí a necessidade de certos choques, de excepcionais descargas para quem já vive aquela perseverança.
A Igreja nos desdobra o maravilhoso panorama das várias lições que vitalmente interessam, ou deviam interessar aos seus filhos, e assim reaviva nas várias estações do ano litúrgico certas noções que deveriam ser companheiras de todos os passos de nossa vida. Assim é a Quaresma. Segundo ensina nosso pai São Bento, a vida inteira do monge deveria ser uma quaresma ininterrupta.
Nos dias de abril e maio que andei pelo Velho Mundo, vi muita coisa que me encheu os olhos e a alma de admiração. Não discorda Platão das Sagradas Escrituras, quando diz que a admiração é o princípio da sabedoria, porque o temor filial, segundo São Gregório e Santo Tomás, é um estremecimento da alma agradecimento que permanece e resplandece no céu. Torno a dizer: vi muita coisa que me encheu os pulmões da alma de gratidão e admiração.
Em artigo anterior referi-me a um sensacional estudo do professor Jeffrey Hart publicado em National Review de janeiro de 1973 com o título "The Great Guernica Fraud", no qual se vê que o famoso bombardeio de Guernica não houve. Simplesmente, não houve. E o famosíssimo quadro com que Picasso impingiu a todo o mundo a impostura, passa a ser um quadro comemorativo de um brutal feito de guerra que não houve.
A história em todos os tempos tem mais nódoas do que brancuras, ou mais buracos do que queijo, como o suíço; mas pode-se dizer que a mais falsificada das histórias é justamente a dos anos em que o mundo dispõe do aparatoso instrumental de comunicações, com que tanto se empolgam hoje os religiosos.
Não sei se já observaram uma curiosa peculiaridade dos evangelhos desta semana da Páscoa. No Domingo da Ressurreição temos a seqüência de Marias narrando a piedosa iniciativa das duas Marias e o espanto delas quando viram removida a pedra do sepulcro e um jovem luminosamente vestido de branco a explicar que ressuscitara aquele a quem buscavam. E o moço mostrava o sepulcro vazio às duas Marias espantadas. Na segunda-feira temos a narração, a meu ver a mais bela história do mundo, do encontro dos dois peregrinos de Emaús.
Pondera bem, ó alma de minha alma, o incerto traçado de nossa vida, linha torta, irregular, e sobretudo quebrada. Pondera e considera bem, ó alma de minha alma, a miséria extrema de nossa condição: com os olhos do espírito abertos para a visão do infinito, com a boca da alma aberta para o bem supremo, que fazemos nós de tão preciosos dons? Vivemos apenas o minuto que passa, o presente que nos estraçalha, nos pulveriza e nos permite que um ou dois grãos desse pó tenha frêmitos de amor e deslumbramentos de inteligência.