Skip to content

Blogs

A unidade... por acréscimo!

Fevereiro 21, 2021 escrito por admin

A unidade por acréscimo

Ao criticar as reações de alguns católicos diante das decisões episcopais tomadas em resposta às restrições de culto impostas pelo governo, um bispo francês afirmou, numa recente emissão de rádio, que ele era o “garantidor da unidade” da sua diocese. Para além da banalidade dessa observação – pois toda autoridade legítima e reconhecida é, em si mesma, garantia da unidade do organismo do qual está à frente – essa afirmação causa espanto: esperaríamos antes que um bispo se apresentasse como “garantidor da fé”, como ensina o catecismo.

Sem dúvida, deve-se atribuir a esse episódio um caráter talvez aproximativo, próprio do discurso verbal; o autor talvez não escreveria o que disse. Pois, desde quando garantir a unidade do rebanho que lhe foi confiado é a função primeira de um bispo? Não seria antes a consequência de outro atributo da função episcopal? De todo modo, é uma definição incompleta.

 

Que unidade?

A unidade é certamente um bem e, a esse título, merece ser procurada. Mas, a unidade pode servir a fins diferentes, nem todos necessariamente honestos: é possível haver unidade no erro -- nesse caso, a unidade já não é um bem. De modo análogo, quando reconhecemos que a união faz a força, isso nem sempre é bom, pois a união faz a força... tanto para os bons, como para os maus, infelizmente!

Desse modo, é preciso definir de que unidade se trata. A unidade pode ser constituída de diversos modos: ao redor de um homem, de um princípio, de uma tarefa a ser realizada... Pode haver uma unidade exterior, formal, visível, circunstancial, que se traduza em atos concretos, mas não implique em uma unidade interior acerca dos princípios ou dos fins a serem alcançados. A unidade pode ser substancial, como a do corpo humano, apesar da diversidade dos seus órgãos. Pode ser uma unidade simplesmente de ordem, como a que há em uma família ou em um exército.

Portanto, há diferentes formas de unidade; nem todas possuem o mesmo valor ou força. Dizer-se garantidor da unidade é, por conseguinte, insuficiente para definir uma função.

Contudo, objetarão alguns, Nosso Senhor disse: “(...) que sejam todos um, como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam um em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21). Sim, mas, quando disse isso, Nosso Senhor não se dirigia aos apóstolos, antes, pedia uma graça ao seu Pai. A Pedro, Jesus não disse: “guardai os teus irmãos na unidade”, e sim: “E tu, uma vez convertido, conforta os teus irmãos” (Lc 10, 32). Ao enviar os apóstolos, não disse: “uni as nações!”, mas: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).

 

Um princípio de unidade

No seu tempo, Santo Agostinho ensinava: “In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.” (Nas coisas necessárias, união; nas debatidas, liberdade; em todas as coisas, caridade”). Para esse grande doutor da Igreja, a unidade devia ser procurada, portanto, antes de tudo nos princípios. E até em época recente, a união dos batizados se fazia em torno dos princípios da fé, como o símbolo de Nicéia-Constantinopla, ou nas três grandes referências: a Santa Virgem, a Missa e o Papa.

Mas, nos nossos dias, em favor da abertura ao mundo preconizada pelo Vaticano II, um desvio realizou-se: a união é frequentemente procurada não mais em torno da adesão a princípios claros, mas ao redor de uma participação ativa em atos exteriores. Por exemplo, pede-se aos padres apegados à missa tradicional marcar a sua unidade com o seu bispo participando da missa crismal. O novo rito do batismo leva a ver o sacramento mais como uma acolhida pela comunidade eclesial do que o apagar da mancha original e a recuperação da vida sobrenatural.

A união, portanto, não é mais marcada pela afirmação de uma mesma fé, mas pela participação em um novo cerimonial. Claro, a participação em uma cerimônia marca uma certa forma de unidade, mas de nível inferior. A unidade espiritual em torno dos dogmas da fé é de ordem superior pois ela conduz a outra unidade, dessa vez exterior: a participação em ações comuns. O inverso não é verdadeiro: podemos participar em uma cerimônia sem, contudo, partilhar da mesma fé. Os encontros de Assis são prova disso.

 

Unidade na verdade

Portanto, é necessário buscar a unidade na verdade: antes de tudo, é preciso que haja união na fé, união em Jesus Cristo. Era essa unidade na fé que produzia a união da Europa, antes da Reforma a ter implodido; isso apesar das lutas, por vezes ferozes, entre os diferentes reinos.

A unidade europeia quebrou-se quando o catolicismo deixou de ser a referência comum. A Europa moderna marcha para a sua perdidão pois busca recuperar sua unidade em torno de valores materiais: dinheiro, fronteira, defesa... recusando toda referência às suas origens cristãs.

Pois há uma unidade do gênero humano que Nosso Senhor não quer: aquela que se faz sem Ele. A única e verdadeira fonte de união é a que se faz na fé e na verdade ou, se quisermos, a união pela verdade ou em torno da verdade.

É por isso que, bispos ou não, a atitude que devemos ter deve se inspirar no Sermão da Montanha (São Mateus, capítulos 5 e 6), em que Nosso Senhor declara o seguinte:

Buscai pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo

 

(Action Familiale et Scolaire, 247. Tradução: Permanência)

A Missa é um freio ao globalismo

Dezembro 26, 2020 escrito por admin

Pe. Xavier Beauvais, FSSPX

 

Durante este encarceramento a que estamos em vias de nos submeter, vimos surgir um grande furor contra a Missa nas nossas capelas e igrejas.

É certo que, golpeando-se a Missa, a Igreja é enfraquecida. Nós já o vimos em 1969, com o novo rito de Paulo VI. Para que a Igreja vacile no tocante ao dogma e à disciplina, é preciso combater a Missa. Esse era (e ainda é) um dos melhores meios de evacuar e substituir, pouco a pouco, a moral católica, os usos e costumes da catolicidade.

O governo francês atual sabe muito bem disso quando nos impede de celebrar a Missa.

Sabemos que o alinhamento dos costumes de todo o mundo à ética maçônica está o coração do globalismo em marcha. Todo freio – e a Missa é um freio – todo obstáculo a esse projeto deve ser tiranicamente suprimido. O principal adversário do globalismo é a renovação do Sacrifício da Cruz, pois sabemos que a Missa é o remédio individual, social e político ao vírus e aos males dos tempos modernos.

Em face da liberdade desenfreada, ela clama ao dom de si.

Em face da igualdade absoluta, apela ao senso de hierarquia.

Em face da fraternidade fundada sobre o homem, lembra da caridade, ou seja, do amor na verdade que os homens devem uns aos outros, em nome de Deus.

Toda a ordem da civilização repousa sobre o altar, eis o porquê de ser preciso lutar sem cessar pelo tesouro oferecido por Nosso Senhor e gritar: “Devolvam-nos a Missa”.

É justamente nesse espírito que o Pe. Davide Pagliarani, superior geral da Fraternidade São Pio X, lançou no dia 21 de novembro um apelo enérgico a uma cruzada de orações até a Quinta-Feira Santa, 1º. de abril de 2021.

Unamos nossas forças para obter do céu a liberdade incondicional de rezar publicamente e de assistir à Missa». A Santa Missa é o bem mais querido para nós. Assim, ela precisa ser rezada de novo com total liberdade: ela contém a solução a todos os males, a todas as doenças, a todos os temores (...)

Ficaremos então insensíveis à situação atual? « Todo aquele que pede recebe, e a quem bate abrir-se-á » (Mt 7, 8), promete-nos Nosso Senhor. Façamos nossa parte: as graças são obtidas somente se pedimos com insistência.

Caros amigos, eu vos convido a todos, adultos e crianças, leigos e pessoas consagradas, e vos suplico de se juntarem a esta cruzada de oração pelas Missas e pelas Vocações. Os cruzados partiam para libertar o túmulo de Nosso Senhor Jesus Cristo; partamos então para libertar o tesouro de Cristo Rei, seu testamento de amor! (...)

Quem liderará esta cruzada? Aquela que permaneceu de pé aos pés da Cruz.” Dessa cruz que venceu o mundo, o vírus do pecado.

A Missa é a renovação do sacrifício da Cruz, e compreende-se que, se a Cruz venceu o mundo, ela é para nós o mais eficaz dos meios de redenção, de salvação e, para nossos inimigos, o maior obstáculo ao seu designo perverso.

A assistência a Missa que consiste na imolação interior a Jesus Cristo, a fim de unir-se e de associar-se a Ele no oferecimento do Sacrifício, é a função mais alta do caráter batismal. A Santa Missa é a ação católica por excelência, aquela que atua, renova, intensifica nosso pertencimento à Santa Igreja, e que dá testemunho disso.

A Missa é também a fonte de toda santidade, o meio privilegiado de entreter e desenvolver a vida de Cristo Jesus em nós.

Uma vez que o fundamento da nossa santidade consiste em render a Deus o culto que lhe é devido, sabemos que o centro do culto perfeito que podemos prestar a Deus é a Santa Missa.

Toda a nossa vida espiritual e toda a nossa religião são e devem ser marcadas por essa oblação interna de nós mesmos que é devida a Deus como Criador e Senhor.

Essa oblação deve ser manifestada de modo externo e sensível.

O primeiro e o supremo dever do homem é dar-se inteiramente a Deus e colocar-se exclusivamente sob sua dependência.

Compreende-se por que o laicismo quer a morte da Santa Missa. Daí esses abusos de poder dos governos que querem nos interditar a Missa com a assistência das nossas igrejas.

Há aí uma ingerência inadmissível do Estado sobre a Igreja ao impedir os fiéis de cumprirem um dos mandamentos dessa mesma Igreja.

O que o exercício do culto tem a ver com o Estado, desde o momento em que este último pretende ser laico, neutro?

A exclusão pura e simples dos fiéis das Missas nesse período de encarceramento, para lutar contra uma pandemia organizada, é também o apogeu da crescente incapacidade da igreja conciliar de pesar de modo eficaz nos debates das nações.

Nós nos voltamos para a Santíssima Virgem, de pé aos pés da Cruz; é ela que invocamos pois no final o seu Coração Imaculado triunfará.

Deus é tudo

Dezembro 12, 2020 escrito por admin

Um monge beneditino

 

São Bento morreu 1360 anos antes de São Pio X escrever sua encíclia Pascendi em 1907, descrevendo o modernismo. Apesar dos vários séculos que separam esses dois homens da Igreja, eles tinham pensamentos sobre a sociedade muito semelhantes. São Bento, no Capítulo IV da sua Regra, afirma que o monge “não deve preferir nada a Cristo”. São Pio X, no começo de seu pontificado, declarou que seu objetivo, como Vigário de Cristo na terra, era “… restaurar todas as coisas em Cristo”. Apesar desses dois estarem tão distantes na história da Igreja, eles desejavam que tanto a alma individual quanto a sociedade como um todo fossem consagrados a Cristo.

O modernista, de acordo com um autor, tem “… a ambição de eliminar Deus da vida social”. O homem que tenta remover Deus da vida social já O removeu da sua alma. Como diz o adágio, “a natureza abomina o vazio”. Se removermos Deus da humanidade, o vazio precisa ser ocupado com alguma coisa. O modernismo substitui Deus pelo homem, negando a Deus seus direitos como nosso Pai. São Pio X explica que o modernismo crê numa “imanência vital”, que nada mais é que a vida humana transcorrer sem Deus. Na sua Regra, São Bento também repreende comunidades monásticas instáveis que substituem a vontade de Deus pelos seus caprichos pessoais. Tudo de que eles gostam é considerado lícito, e seus desgostos são ilícitos.

Todo pecado é uma declaração de independência a Deus e a sua Igreja. Nós, como pecadores, substituímos a vontade de Deus pela nossa vontade própria. Nós, injustamente, usurpamos sua autoridade e convencemo-nos de que não precisamos de seu auxílio. A crise dos nossos tempos, tanto na Igreja, quanto na sociedade, não é um ataque externo, mas interno. É uma espécie de decadência intelectual da capacidade do homem de raciocinar. Através do orgulho, o modernista se convence de que tudo vem dele e de que toda a realidade depende da sua opinião pessoal. O depósito da fé imutável revelado por Deus e confiado à Igreja, agora, está sujeito ao julgamento pessoal e à opinião de cada homem. O conceito modernista de verdade se desenvolve dentro e através do homem, não existe mais fora do pensamento humano. A verdade de Deus não mais transcende, vinda de cima como um dom de Deus, mas desenvolve-se pelo complexo progresso do pensamento humano. Com esse mindset, os deveres religiosos do homem, o conteúdo de sua fé e seu comportamento moral estão excluídos da autoridade da Igreja. Todas as suas decisões vêm de dentro e não mais dependem de Deus e da Igreja. Essa evolução confirma a frase darwiniana “sobrevivência dos mais aptos” no campo do pensamento.

O modernista considera a coerência contínua da fé do ensinamento da Igreja como um grande obstáculo ao progresso da humanidade. Essa doutrina constante e estável impediria o desenvolvimento natural do homem e, portanto, seria maléfica à sociedade. Eles, em essência, afirmam que a estabilidade da Verdade bloqueia o processo evolutivo necessário do homem. Se perdermos de vista nossa absoluta dependência de Deus como nosso Criador e Autor de toda a verdade, criamos um mundo artificial sem Pai. O modernista substitui Nosso Pai celestial por alguns slogans idealistas e torna-se um órfão numa sociedade sem Pai. O modernista declara, em essência, que ele é Deus.

A sociedade de hoje é órfã. A vida de um modernista existe por imanência vital, que se desenvolve por uma energia interior impossível de ser controlada. Essa é a mesma ideia de evolução que Teilhard de Chardin proclama: “… é uma condição geral, à qual todas as teorias, todas as hipóteses, todos os sistemas devem reverência e que eles devem satisfazer daqui em diante se anseiam ser cogitáveis e verdadeiros. A evolução é uma luz que ilumina todos os fatos, uma curva que todas as linhas devem seguir”. Karl Rahner também afirma que “a graça pode ser considerada como pertencendo à existência do homem”. Dessas ideias, o modernista conclui que ele se tornou Deus, não precisando, assim, de um Pai.

Esses erros levam às sublevações em geral que vemos na sociedade de hoje. As crianças de hoje podem escolher seu sexo se não estiverem satisfeitas com a maneira como nasceram. Pode-se, legalmente, casar-se com outra pessoa do mesmo sexo e adotar filhos. A estranha doutrina do transhumanismo proclama que o homem pode e deve direcionar, material e intelectualmente, seu processo evolutivo. Ele pode, portanto, melhorar, com a ciência moderna, suas capacidades físicas e intelectuais. Eles até mesmo pensam em como viver eternamente, vencendo a morte através da ciência. Eles também falam de transferir seus intelectos a algum tipo de robô para que, através da tecnologia, eles possam continuar a existir. Eles não querem um Pai.

A associação moderna chamada Black Lives Matter tem sido um catalisador de muitos protestos violentos pelos EUA. Eles buscam uma sociedade sem paternidade, tal como a conhecemos. De acordo com a declaração oficial de sua missão, eles afirmam desejar “desmantelar as práticas patriarcais” e também “romper a estrutura familiar nuclear ocidental, que requer que um ajude o outro como famílias extendidas e ‘vilarejos’ que se preocupam uns com os outros coletivamente...” Isso é um novo tipo de sociedade comunista sem um Pai e é um grito de independência de Deus.

São Bento nos pede que aceitemos Cristo como a fonte e o centro de nossas vidas. Ele nos ensina sobre um Deus transcendental que nos ama como um Pai, não o deus modernista da imanência vital. A Divina Providência continua envolvida no desenvolvimento de nossos corpos e nossas almas. Ela nos pede que, humildemente, pratiquemos a caridade com os mais velhos, os mais novos e os enfermos, sabendo que aquilo que fazemos aos menores fazemos a Cristo: diferentemente da ideia de Darwin de sobrevivência do mais apto. Nossa maior glória é que temos um pai na pessoa do superior do mosteiro, que exerce o papel de Cristo em nossas vidas. Se pudéssemos resumir a Regra de São Bento, ela é como o eco de Nosso Senhor, ensinando-nos a rezar: “Pai nosso, que estais no Céu...”

(The Angelus, Set-Out 2020)

É chegado o tempo do anticristo?

Novembro 28, 2020 escrito por admin

Pe. Pierpaolo Maria Petrucci, FSSPX

São Pio X, na sua primeira encíclica, constatando a existência de uma “guerra ímpia suscitada contra Deus, que progredi em quase toda a parte”, chega a se indagar se “uma tal perversão dos espíritos” não seria “o começo dos males anunciados para o fim dos tempos”, e se “o filho de perdição de que fala o Apóstolo” já não teria “feito o seu advento entre nós”1. É claro que o papa fala do anticristo. Mas, o que ele é?

Segundo São João, “Quem é mentiroso senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é um anticristo, que nega o Pai e o Filho”2. E ainda: “porque muitos sedutores se têm levantado no mundo, que não confessam que Jesus Cristo tenha vindo em carne; estes tais são os sedutores, são o anticristo”3. São Paulo nos diz que o anticristo virá num tempo de apostasia e o apresenta como o homem do pecado, o filho da perdição, e diz que ele se oporá a tudo que se chama Deus. É o iníquo cuja vinda é por obra de Satanás, e que se apresentará como se fosse Deus. Empregará todo tipo de poder e sinais prodigiosos. Virá no dia do Senhor, ou seja, antes do julgamento final, para seduzir o mundo4.

São João apresenta a sua vinda como iminente5. Contudo, é preciso compreender essa passagem no seu contexto: ele fala dos precursores do anticristo. Com efeito, São Paulo escrevia aos tessalonicenses para não se deixarem quebrar facilmente, nem se alarmar, como se o dia do Senhor fosse iminente. Com efeito, um obstáculo retém a manifestação do anticristo e terá de ser levantado antes que ele venha6. Alguns Padres da Igreja, como São Cirilo, julgaram que esse obstáculo fosse o Império Romano, mas Santo Tomás afirma que se trata do Império Romano espiritual, ou seja, a Igreja católica e o Papa, sobre o qual ela se funda, único poder capaz de deter as forças do mal7.

Estamos nos tempos do anticristo? É o que podemos nos perguntar. Que diria São Pio X dos nossos tempos, ao ver as leis ímpias que regem os Estados outrora católicos? Que diria diante dessa crise terrível que assola a Igreja, na qual o próprio papa tornou-se a ponta de lança da revolução, e se insurge contra a fé e a moral católica8. A ditadura sanitária a qual o mundo inteiro se submeteu atualmente, é um indício suplementar: o poder capaz de reter a manifestação das forças das trevas parece desfalecer e, sem uma intervenção da Providência, é bem provável que as forças das trevas avancem até às últimas consequências.

Contudo, se é lícito nos colocarmos essas questões diante desse mistério de iniquidade, convém nos lembrar que o plano de Deus é sempre regido por seu amor misericordioso. É Ele que detém as rédeas da história e de todos esses acontecimentos, para o grande bem dos que o amam.

Nosso futuro está nas suas mãos -- logo, está em mãos excelentes. Qual deverá ser o nosso papel? Devemos, à luz da fé, buscar enxergar claro nessa época tão difícil, e combater pelo reino de Jesus Cristo; instaurá-lo nas nossas almas pela vida da graça, pela prática das virtudes e pelo cumprimento quotidiano das vontades divinas: preservar nossas famílias do espírito mundano, pois elas são os últimos bastiões contra as trevas atuais; esforçarmo-nos, enfim, para conquistar almas pelo nosso espírito apostólico. Assim, aconteça o que acontecer, alcançaremos a vitória sobre a terra e, na hora de nossa morte, Nosso Senhor nos receberá como bons e fiéis servidores.

(Le Chardonnet, Outubro de 2020)

  1. 1. E Supremi apostolatus, 4 de outubro de 1903
  2. 2. 1Jo 2, 22
  3. 3. 2Jo 1, 7
  4. 4. 2Ts 2, 3
  5. 5. 1Jo 2, 18
  6. 6. 2Ts 2, 6
  7. 7. in II Epist. Ad Thessal., c. II, lect. I
  8. 8. Ver Amoris Laetitia, 19 de abril de 2016, e a declaração de Abu Dhabi, 4 de fevereiro de 2019

Batinas e uniformes

Novembro 21, 2020 escrito por admin

Rafael Gambra

 

Não se vê mais batinas ou uniformes nas ruas, nem padres ou soldados. Todos usam roupas civis, "seculares" em linguagem eclesiástica ou "paisano" em linguagem militar.

Recordo na minha infância distante, a impressão paternal e venerável que a figura do Padre causava nas crianças. Era comum ir beijar sua mão, ao que ele muitas vezes respondia com uma bênção ou com um santinho ou uma pequena medalha de alumínio.

À medida que o padre e o soldado desaparecem do horizonte visual, é muito difícil nascerem autênticas vocações religiosas e militares, porque ninguém anseia pelo que não vê. Hoje, um jovem de 15 anos, pode nunca ter visto uma parada militar em sua vida: para ele, "o serviço militar" nada mais é do que um período absurdo de reclusão.

E o triste é que padres e soldados tiraram seus respectivos hábitos por falhas ou pecados mais incompatíveis ou vexatórios para sua profissão: covardia — vamos chamar de precaução — nos militares, impiedade — vamos chamar de segurança — no clérigo. Deixemos o militar com suas motivações para nos fixarmos nas do eclesiástico.

O sacerdote antes do Concílio Vaticano II, geralmente, sentia amor e um orgulho legítimo pela batina de Cristo, que manifestava sua sagrada dignidade e os poderes sacramentais. Vestido com a batina ou com o hábito, não importava a boa ou a má presença do clérigo, pois a qualidade ou a pobreza da vestimenta era indiferente: para todos era sacerdote, objeto de veneração para muitos, convite à fé para todos.

Uma vez que a batina ou hábito foi removido, a imagem do padre desaparece. Em seu lugar, pode parecer um senhor elegante, em outros, um operário de construção ou um caminhoneiro; aqueles que vestem clergyman cinza, parecem a imagem de um condenado, faltando apenas o número de identificação na gola, e os mais discretos, que vestem preto, dão a impressão de serem um pastor protestante. Em todo caso, desapareceu a imagem do Padre católico e, com ela, os sentimentos que ele inspirava. Porque “o que os olhos não veem, o coração não sente”.

Um Padre madrilenho, que nunca tirava a batina, contou-me que certa vez um jovem se aproximou de seu confessionário e se apresentou como sacerdote. Ele se confessou, e o Padre disse-lhe: "Diga-me, meu filho, você acha que tudo isso teria acontecido consigo se estivesse de batina?" É frequente alegar para justificar a deserção da batina que "o hábito não faz o monge". Expressão muito antiga que se utiliza nesses casos no sentido exatamente oposto ao que tinha em sua origem. Seu verdadeiro sentido era dizer ao frade que tomou o hábito, que aquilo não basta, que ele deve tornar-se um bom frade por dentro, vencendo as paixões, adquirindo as virtudes. Foi uma expressão de exigência, nunca de frouxidão ou desprezo pelo hábito como é usado hoje.

Nunca se conhecerá a relação de causa-efeito que mediou a eliminação da batina e a grande deserção dos clérigos nos anos 60-70, o florescimento dos padres-políticos abertzales1 aqui e dos padres guerrilheiros na América Central, etc. Creio que aquela simples autorização de tirar a batina prejudicou mais o estado eclesiástico do que todo o Concílio Vaticano II com seus erros e ambiguidades.

 

Fraternidade São Pio X, Madrid, Junho de 2002.

  1. 1. Abertzales é o nome que designa os nacionalistas radicais vascos [N. da P.]

O poder do Rosário em família

Outubro 30, 2020 escrito por admin

O poder do Rosário em família

Uma pequena história

 

Retirado de Our Lady’s Digest, 1959

 

Há cerca um século, a noite de inverno já havia lançado seu pálio negro sobre os cais de Dublin quando a campainha de uma das paróquias da cidade despertou seu velho pastor. Estava tão escuro que ele mal podia perceber a mulher à porta. Ela falava rapidamente, como se estivesse ansiosa para ir embora.

“Um pobre homem”, ela disse, “está morrendo além do cais do Muro do Norte. É preciso que um Padre vá lá, não há tempo a perder”. Após entregar sua mensagem, ela atirou-se no escuro da noite.

“Eu irei”, murmurou o velho Padre, enquanto contemplava a figura que partia.

Não havia ônibus naqueles dias, e os bondes elétricos não iam até os cais, de modo que ele foi a pé. Estava muito escuro, e o padre parecia estar andando há muito tempo, mas não dava ouvidos ao cansaço, pois trazia o Santíssimo Sacramento próximo ao seu coração com uma mão e carregava os Santos Óleos na outra. Seu único guia era o farol, piscando a cada dois segundos ao longo da baía. A maré subia alto nos dois lados do cais onde ele andava, e foi mais o som das ondas que qualquer coisa que ele via que o levou, enfim, a um grupo de chalés de pescadores. Instintivamente, parou em um deles e empurrou a pequena porta. Não havia luz, e nenhum som quebrou o silêncio.

Ele entrou, mas não via ninguém. “Quem me levará ao moribundo?”, perguntava-se ansiosamente. Fez uma pausa e escutou. Tudo estava quieto. Então seus olhos, já acostumados ao escuro, perceberam uma pequena escadaria. Enquanto ele punha seu pé no primeiro frágil degrau, uma fraca foz alcançou seus ouvidos. Mas de que ela se queixava?

“Santa Maria… Mãe de Deus… Rogai por nós… Pecadores… Agora… E na hora de nossa morte… Santa Maria...”

E, incessantemente, a fraca voz repetia novamente e novamente a segunda parte da Ave Maria. Gentilmente, o Padre abriu a porta da pequenina sala. Sob um palete estava o pobre moribundo. O homem estava sozinho.

“Meu amigo, você me chamou?”, começou o Padre

“Não, Padre, não chamei ninguém!”

“Vejo que você ama a Santíssima Virgem. Está rezando para ela”

“Não sei quem é a Santíssima Virgem”

“Bem, ao menos você reza para Deus”

“Nunca ouvi falar d´Ele”

O Padre estava confuso. Quem tinha ido até ele? O homem diante dele, obviamente, não era hostil a padres, mas não sabia nada sobre Deus!

“Meu amigo”, ele perguntou, “por que você repete incessantemente ‘Santa Maria, mãe de Deus...’?”

“Ah!”, respondeu o doente, “quando estou sentindo dores, falo essas palavras e elas me trazem alívio”

Então, ele contou ao Padre esta tocante história:

“Eu era um marinheiro e, com frequência, nosso navio atracava na costa oeste da Irlanda. Os que desejassem saíam para passar as noites em terra firme, nos alojamentos dos nativos. Não sou irlandês, mas gostava daquele povo. No chalé onde costumava ficar, a família se reunia todas as noites para rezar. A mãe dizia algumas palavras que não consigo lembrar, e todos os demais respondiam: ‘Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte, amém’. Eu jamais esqueci essas palavras, e recitá-las me faz bem”

O Padre ficou profundamente comovido. Ele passou a noite inteira com o doente, falando-lhe de Deus, da Santíssima Virgem e da outra vida, na qual adentraria em breve.

Ali estava uma alma em todo seu frescor, ciosa de beber das verdades eternas, um operário da última hora, que Nossa Senhora em pessoa havia ido buscar.

Ao alvorecer, o Padre o batizou. Em seguida, deu-lhe a Santa Comunhão e o sacramento da Extrema Unção.

Quando amanheceu, o Padre teve de ir embora.

“Meu amigo”, ele disse, “preciso deixá-lo… Eu rezarei a Missa por você. E vou voltar”

Enquanto deixava a casa, o padre estava absorto em pensamentos. Mas quem, quem havia ido até ele? O sacerdote estava certo de que alguém tinha ido, mas quem? Como resposta aos seus pensamentos, uma mulher com vestes pobres apareceu à porta de um dos chalés. O padre falou com ela.

“Aquele pobre homem ali em cima está muito doente”, disse. “Não vai durar muito mais”. Ela balançou a cabeça e acrescentou:

“Fui eu quem fui ao senhor. Eu não pertenço a sua religião. Sou protestante, mas, quando ouvi aquele senhor repetindo a oração católica, disse para mim mesma: ´é melhor ir buscar um dos ministros dele antes que morra’, então recorri ao senhor”

Tentando esconder sua comoção, o Padre agradeceu-lhe por sua ação caridosa e apressou-se para rezar o Santo Sacrifício. “Aqui”, ele pensou, “está um pobre desafortunado que repetia a Ave Maria sem sequer saber o que ele dizia, e, ainda assim, a Santíssima Virgem ouviu seus pedidos! ‘Rogai por nós agora e na hora de nossa morte’… Ela, certamente, veio à hora da morte dele, essa boa e santa mãe!

Eis quão longe podem ir os efeitos de um terço em família, rezado à noite em um chalé de Connemara!”

Reunião no inferno

Outubro 18, 2020 escrito por admin

Pe Prudent Abbot Balou, FSSPX

 

Para melhor lutar contra o inimigo, é preciso primeiro conhecê-lo e estudar sua estratégia. O principal inimigo do homem é o demônio que, como um leão que ruge, circula ao seu redor procurando afastá-lo dos caminhos do céu. Conhecer a estratégia de Satanás nos permitirá frustrar seus planos e nos procurará felicidade e paz verdadeiras. Qual é a estratégia de Satanás? Como derrotá-la?

Ouçamos essa pequena história. Satanás, o Príncipe das Trevas, convocou uma assembléia mundial reunindo todos os demônios. Ele começa seu discurso de abertura: “Não podemos impedir os católicos de ir à igreja, não podemos impedi-los de ler a Bíblia ou de saber a verdade, nem podemos impedi-los de estabelecer uma relação de amizade com seu Salvador. Ora, uma vez que eles tenham estabelecido essa relação íntima e real com Jesus, nosso poder sobre eles será quebrado."

E continua: “Deixemo-los irem à igreja, mas roubemos o tempo que lhes resta, para que não tenham a possibilidade de manter a sua relação ou união com Jesus Cristo.” E aqui, Satanás fala de todas essas pessoas que vêm à missa no domingo porque é preceito, mas, depois do santo sacrifício, não tem tempo para fazer sua ação de graças, nem para se beneficiar da presença de Deus em sua alma. Eles são “trabalhadores contratados” ou mesmo “católicos de domingo”: agem como católicos no domingo mas como pagãos no resto da semana!

No inferno, a reunião prossegue: “Como roubaremos o tempo dos homens?” Perguntam os outros demônios ao seu mestre.

Imbuído de sua própria excelência e transbordando de autossuficiência, Satanás volta a falar: “Eis o que quero que façais: distraí os homens para que não possam se aproximar do seu Salvador e manter a união com Deus ou estado de graça no curso do dia."

“Mas, concretamente, como fazer isso?” replicam os outros demônios. De seu trono de iniqüidade, Satanás desenvolve seu pensamento: “Ocupai a mente dos católicos com as ninharias da vida, em outras palavras, criai muitas questões, bandeiras e situações para ocupar seus pensamentos. Defendei, por exemplo, os direitos ignorando os deveres; defendei a liberdade sacrossanta para que todos pensem que são livres para fazer o que quiserem e como quiserem; advogai o divórcio com todo vosso empenho. Esforçai-vos para desenvolver nos homens todos os vícios, mas especialmente os contrários à natureza.” Ouvem-se aplausos, mas Satanás não interrompe: “Persuadi as esposas a trabalharem longas horas fora de casa; persuadi os maridos a trabalhar seis ou sete dias por semana, dez a doze horas por dia, a fim de ganharem dinheiro suficiente para manter um estilo de vida superficial ou desprezível."

Um pouco sem fôlego, Satanás faz uma breve pausa. Após alguns segundos de silêncio, com muita raiva, pois não há espaço em seu coração para o amor, Satanás clama: "Criai situações que impeçam os pais de passarem tempo com seus filhos e esposas, e vereis a família se desintegrar, os lares deixarão de ser o lugar de paz onde o homem recobra suas forças, minadas pelo trabalho ”

“Não parai, ide mais longe: conspurquem seus pensamentos com imagens e palavras impuras. Despejai o veneno da impureza em todos os lugares, principalmente entre os jovens, usando para isso de todos os meios modernos (televisão, internet, telefone, tablet, redes sociais etc.) a ponto de não poderem mais ouvir a doce e tranquila voz que dirige suas mentes. Enchei todos os lugares com revistas e jornais sujos, mentirosos, revolucionários; bombardeai-os com notícias vinte e quatro horas por dia; mostrai-lhes belas mulheres em revistas e TV, para que os maridos, acreditando que a beleza exterior é o que importa, se desgostem das suas próprias esposas. Sobrecarregai as mães de cansaço, deixando-as desnecessariamente ocupadas, para que seus maridos não mais recebam o amor de que precisam, incitando-os a buscá-lo em outro lugar. Sem dúvida, isso implodirá rapidamente a família. Crede, caros demônios, se a família implodir, a sociedade não tardará a implodir”. Gritos e aplausos ecoam pelo inferno.

O maligno orador continua seu discurso: “Dai aos filhos o Papai Noel para distraí-los e deixá-los no escuro sobre a verdade do Natal; dai-lhes o coelhinho da Páscoa para que ignorem a Ressurreição de Jesus e seu poder sobre o pecado e a morte; dai-lhes o mundo virtual para retirá-los da realidade; sugeri a seus pais lhes dêem todos os direitos sobre a organização da casa. Desde o berço, deveis atacar as crianças a fim de transformá-las em homens sem princípios, como juncos curvados pelo vento. Funcionará! O plano é bom, crede em mim. "

Por fim, em tom sério e autoritário, Satanás acrescenta: “Se seguirdes essa estratégia, triunfaremos. Ao trabalho! Existem almas, famílias, nações esperando por vós. Não me decepcionais porque tenho ainda muitos lugares aqui no inferno. Bem sabeis, demônios, que em nossas fileiras não há greve, desemprego ou qualquer reivindicação. Trabalhamos sem parar para a perda de almas. Ide a todos os países, semeai ódio, discórdia, ciúme, mentiras, impureza, irreligião, roubo etc. Começai a trabalhar e fogo aos preguiçosos! "

Os demônios treinados por seu líder correram para implementar a estratégia do mestre, gritando: "Que os católicos do mundo estejam cada vez mais apressados, atarefados, agitados em todas as direções, sobrecarregados, para que não pensem mais em Deus ou em suas famílias. Acima de tudo, que os homens da Igreja não tenham mais tempo ou desejo de pregar aos homens a verdadeira doutrina de Jesus. Vamos ocupá-los com assuntos do mundo, ajudá-los a buscar apenas seus próprios interesses às custas da Igreja. "

Que cada um de nós, ciente dos esquemas do diabo, examine-se para ver se não caímos em suas armadilhas. Que cada um de nós renove a sua vontade de conformar a sua vida à doutrina salvífica de Cristo Jesus, e não aos slogans do mundo e do diabo. Como nos diz São Paulo, "não sejamos vencidos pelo mal, mas vencamos o mal com o bem", isto é, vençamos o vício com a virtude, a injustiça com a justiça, o pecado com a contrição. Lutemos e Deus nos dará a vitória!

 

(Le Petit Eudiste no. 216)

A infância espiritual

Outubro 3, 2020 escrito por admin

(Excerto da Alocução do Papa Bento XV, em 14-8-1921 ao promulgar as virtudes heróicas de Santa Teresinha).

 

“A criança tem consciência de sua fraqueza, e a esse respeito nos dá uma grande lição. Ela nos lembra a condição indispensável a toda santidade: o conhecimento de nossa fragilidade e de nossa incapacidade para o bem. A infância espiritual ‘exclui todo sentimento de soberba, a presunção de atingir por meios humanos um fim sobrenatural e a veleidade enganadora da auto-suficiência no momento do perigo e da tentação. Por outro lado, ela pressupõe uma fé viva na existência de Deus, uma homenagem prática ao seu poder e à sua misericórdia, um abandono confiante na Providência d’Aquele que nos concede a graça de evitar o mal e fazer o bem’. As qualidades desta infância espiritual são, portanto, admiráveis, sejam elas consideradas de um ponto de vista negativo ou positivo. Compreende-se, por isso, que Nosso Senhor Jesus Cristo a tenha indicado como condição necessária para adquirir a vida eterna. ‘Em verdade, eu vos digo: se não vos converterdes e não voltardes a ser como as criancinhas, não entrareis no reino dos céus’ (Mt. 18, 3)”.

Oh! a eloqüente lição que aniquila o erro e a ambição daqueles que, considerando o reino dos céus como um império da terra, sonham nele ocupar os primeiros lugares e perguntam qual deles lá será o maior! Mas para melhor estabelecer que a preeminência no reino dos céus será o privilégio da infância espiritual, o Senhor continua nestes termos: “Quem se fizer pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus”. Em outra ocasião, quando várias mães apresentavam-Lhe seus filhos para que Ele as abençoasse, e os discípulos as queriam afastar, Jesus indignou-se e disse: “Deixai vir a Mim as criancinhas, não as afasteis, pois a elas pertence o reino dos céus”. E concluiu: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: quem não receber o reino dos céus como uma criancinha, não entrará nele” (Mc. 10, 15).

É preciso observar a força desta linguagem divina. Não basta ao Filho de Deus afirmar de maneira positiva que o reino dos céus pertence às crianças, ou que aquele que se tornar semelhante a uma criancinha será o maior no reino dos céus; Ele ensina, além disso, e de maneira explícita, a exclusão deste reino de todos aqueles que não se assemelharem às criancinhas. Ora, quando um mestre explica uma lição de várias formas, não quer ele, por esta multiplicidade de formas, mostrar que a sua lição lhe é particularmente cara? Se ele esforça-se por inculcá-la em seus alunos é porque deseja torná-la, de uma maneira ou de outra, mais seguramente entendida.

Devemos pois, concluir que o Divino Mestre deseja expressamente vejam seus discípulos na infância espiritual a condição necessária para obterem a vida eterna.

Diante da insistência e da firmeza deste ensinamento, pareceria impossível que uma única alma pudesse ainda negligenciar esta vida de confiança e de abandono, tanto mais que as palavras de Cristo, não somente de modo geral, mas de maneira especial, declaram esta linha de conduta obrigatória mesmo para aqueles que perderam a candura da infância. Alguns são levados a crer que esta vida de infância e abandono é unicamente reservada às almas cândidas, que o mal não despojou de sua primeira inocência. Não concebem a possibilidade da prática da infância espiritual por aqueles que perderam esta simplicidade original.

Mas não são as palavras do Divino Mestre: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como as criancinhas”, indicadoras da necessidade absoluta de uma mudança e de um esforço neste sentido? “Se não vos converterdes”: eis aqui indicada a mudança que deverão operar os discípulos de Cristo para “tornarem a ser crianças”. E quem deve “tornar a ser criança”, senão aquele que não o é mais? “E se não vos tornardes como as criancinhas”: eis agora a indicação do esforço a realizar, pois entende-se que deve haver um verdadeiro trabalho por parte do homem maduro para voltar a ser o que já não é mais há muito tempo. As palavras de Jesus: “Se não vos tornardes como criancinhas” implicam, portanto, na obrigação de trabalhar para a reconquista dos dons da infância”.

 

Tradução de Maria Angélica de Sousa Bruno

Na Imitação de Teresinha está a salvação da humanidade

Outubro 3, 2020 escrito por admin

(Trecho da Homilia de Pio XI pronunciada na Missa de canonização da Santa, em 17 de maio de 1925).

 

Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai de Misericórdias e de toda a consolação que entre os numerosos cuidados de Nosso cargo apostólico nos deu a consolação de em primeiro lugar colocar entre os santos a virgem que no início de Nosso Pontificado foi também a primeira a ser por Nós beatificada; a virgem que praticou a infância espiritual, esta via tão inseparável da grandeza de alma quanto inteiramente digna, segundo as promessas do próprio Cristo, de ser solenemente glorificada na Jerusalém celeste e no seio da Igreja da terra.

(...) um tal incêndio de caridade que a consumiu, depois de ter vivido, por assim dizer, num êxtase continuo; e, nesta ordem de idéias, ela pôde, pouco tempo antes de sua morte, ingenuamente confessar que “jamais dera a Deus outra coisa que não fosse amor”.

Além disto, é evidente que o desejo desta ardente caridade foi, na virgem de Lisieux, o início do seu projeto e de sua constante vontade de “trabalhar por amor de Jesus, unicamente para agradá-lO, para consolar o seu Coração Sagrado e para conseguir a salvação eterna de muitas almas destinadas a eternamente amarem o Cristo”.

De que ela começou, desde o instante de sua chegada à pátria eterna, a executar este projeto. Nós já temos a prova incontestável nesta mística chuva de rosas que, por permissão de Deus, vem derramando desde então sobre a terra; possa ela não cessar de derramá-la, segundo a promessa que candidamente fez quando ainda em vida.

Eis porque, Veneráveis Irmãos, queridos Filhos, Nós desejamos ardentemente que todos os cristãos se mostrem dignos de participar da efusão das graças tão numerosamente obtidas pela intercessão da pequena Teresa; e ainda mais ardentemente desejamos que, a seu exemplo, tornem-se todos como criancinhas pois, segundo a sentença de Cristo, se não forem como criancinhas serão excluídos do reino de Deus.

Fosse esta via de infância espiritual seguida por todos os cristãos, fácil se tornaria a restauração da ordem moral na sociedade humana, restauração que tem sido a meta de nossos esforços desde o início de Nosso Pontificado e, sobretudo, quando da duplicação do grande jubileu.

Fazemos, portanto, Nossa, esta oração com que a nova Santa Teresa do Menino Jesus terminava o precioso livro de sua vida:

“Eu Te suplico, oh! bom Jesus, lançai o Teu Divino Olhar sobre um grande número de pequenas almas; eu Te suplico, escolhei para Ti, neste mundo, uma legião de pequenas vítimas dignas de teu amor. Assim seja”.

O bispo e o prefeito

Setembro 14, 2020 escrito por admin

Hugues Keraly

 

Em 370, a perseguição ariana continua a seviciar em grande escala todos os estados do Império, e os santos continuam a resistir a ela tão soberbamente, que emudecem alguns de seus carrascos. Prova disso é o diálogo referido por Gregório de Nazianzo entre São Basílio, jovem bispo de Cesaréia (uma sucessão difícil) e Modesto, Prefeito Imperial do Oriente. A matéria, em seu perfeito arranjo dramático, dispensa qualquer comentário.

 

O Prefeito — Como, tu não temes o meu poder?

O Bispo — Que poderia ocorrer-me? Que poderia sofrer?

O Prefeito — Um só dos inumeráveis tormentos que estão em meu poder.

O Bispo — Quais são eles? Deixa-me conhece-los.

O Prefeito — A confiscação, o exílio, as torturas, a morte.

O Bispo — Se tens outras espécies de tormentos, podes ameaçar-me com elas, pois nada existe aí que me atinja.

O Prefeito — Como? Que queres dizer?

O Bispo — É que, na verdade, o confisco não tem valor para um homem que nada possui, a não ser que te refiras àqueles horríveis andrajos que ali estão e a alguns livros: é tudo o que tenho. Quanto ao exílio, desconheço-o, uma vez que não estou preso a lugar algum: aquele em que moro não é meu e eu me considerarei em casa em qualquer lugar para o qual me designem; aliás tenho que toda a terra pertence a Deus e sinto-me estrangeiro em qualquer parte que esteja. Referente aos suplícios, onde os aplicarias? Não tenho corpo capaz de suporta-los, a menos que chames suplício o primeiro golpe que me darás: é a única coisa em que és o soberano. Quanto à morte, ela me será benfeitora, conduzir-me-á mais cedo para Deus para quem vivo, por quem ajo, para quem já estou quase morto e por quem de há muito suspiro.

O Prefeito — Ninguém até hoje me falou desse modo e com tanta audácia.

O Bispo — É que talvez jamais tenhas tratado com um bispo; ele usaria da mesma linguagem, se tivesse que defender a mesma causa. Na maioria das vezes, somos afáveis, prefeito, e mais humildes que ninguém, pois a lei o exige; e não somente com autoridade tão alta, mas até mesmo com uma pessoa qualquer evitamos o menoscabo. Mas, quando Deus é questionado e quando dele se trata, desconsideramos todas as coisas; não vemos senão a Ele. O fogo, o cutelo, as feras, as garras que dilaceram as carnes antes são para nós delícias que terror. Depois disso, injúria, ameaça, faz tudo o que queiras, utiliza-te de teu poder. Que se notifique ao imperador que tu não conseguirás que nos dobremos à impiedade nem pela violência, nem pela persuasão. (1)

 

(1) Segundo a Histoire de l’Eglise, de Fliche et Martin, tomo 3, página 260.

 

 

 

“Presence d’Arius” — D.M.M. — pág. 108 — Tradução de Afonso dos Santos

Revista Permanência N° 162-163 Maio-Junho de 1982.